quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Os Dez Porquês que Morri

Se deixei esta carta é porque morri! Sim, morri! Seja da forma que for, morri.
Foi de solidão, e nada mais era válido para saciar minha extrema e exacerbada necessidade de acalento. Foi de tristeza que, primeiro, meu coração parou. Pela falta de calor compreendido, de carinho exagerado, por confusão e egoísmo do meu ser solitário.
Foi de não brilhar mais que, segundo, meus olhos opacos deixaram de abrir. Foi por não ver mais ninguém amigável sorrir e dizer “eu também gosto de você”. Foi porque a vida se tornou corrida que a luz das coisas passou despercebida.
Foi de tanto falar e não ser ouvido que, terceiro, minhas palavras e minha boca emperraram na mansidão do tempo que se escorre sem fazer ruídos. Foi por não fazer sentido que o desuso se tornou moda no hábito das minhas promessas.
Foi de não ser suficiente que, quarto, meus sentimentos se esfarelaram no turbilhão de desejos que a vida encomenda. Foi de não suprir a carência da carência que um dia alguém sentiu. Foi por impotência da minha orgulhosa capacidade, falsa, porém crédula, que fui fraco ao ponto de desistir.
Foi de tanto imaginar e não agir que, quinto, meus pensamentos exauriram toda a energia que, mesmo rara, me sobrava nas mãos. Foi de desespero que meus bloqueios impuseram a corte que sentenciou as queixas impróprias que não fariam mais efeito.
Foi por não ouvir o que precisava que, sexto, meus ouvidos me abandonaram. Foi por ouvir de menos o que se gritava obviamente que o cansaço de não fazer sentido na minha simplória ignorância que as palavras foram se extinguindo e eu, tolo, achei que não era culpa minha.
Foi por não saber aonde ir que, sétimo, meus pés se desvirtuaram de todo desejo intrínseco de ir em frente. Foi por falta de orientação que minha cegueira não me deixou ver o caminho a se seguir. Foi por ingenuidade que não segui os passos que ao meu lado imprimiam pegadas.
Foi por falta de motivação e incentivo que, oitavo, minhas pernas e braços se esgotaram e nada mais edificaram na maior displicência que minha expressão se esforçava em não mostrar.
Foi por imenso descuido da vida para comigo que, novo, meus lábios pálidos e dilacerados deixaram de sorrir. Foi por não ter espelhos que desaprendi o valor que a imagem tem a quem observa.
Foi por demasiada ganância que, décimo, meu espírito abandonou meu corpo descuidado e maltratado pelos obstáculos do caminho onde não fui forte o suficiente para agüentar o fracasso. Foi por absoluta dissonância dos meus desejos que me tornei uma criatura. Foi exatamente no limiar da imprecisão e da ausência de erros eu meus sapatos se desamarraram e resolveram me abandonar totalmente despido de rumos e orientações.
Foi quando me percebi como um erro de impressão que toda minha maquiagem borrou. Foi pelas lágrimas ácidas e incandescentes que meu rosto sem expressão congelou-se na expressão mais profunda da infinita solidão que meu corpo padeceu ligeiramente.
Foi pela lentidão dos meus atos que a vida passou velozmente ao meu lado. Não por entre meus dedos, porque a ida jamais esteve em minhas mãos. Pudera eu controlar minha existência... Teria morrido muito antes de a solidão trazer sua companhia: o sofrimento.
Foi por ter morrido que deixei de existir tristemente na indiferença alheia. Foi por ninguém me reparar que me escondi sob uma carcaça prepotente e supostamente forte, mas a máscara caiu quando minhas lágrimas borraram minha maquiagem.

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