domingo, 7 de fevereiro de 2010

A Felicidade

Vivemos em busca de um único ideal.
Todos nós buscamos uma única coisa durante a vida toda.
Alguns sabem desde o início como buscá-la, outros porém, descobrem que é atrás dela que correm muito tardiamente.
Alguns passos que damos nos desviam deste longo trecho o que o torna ainda mais longo, porém sem muita demora voltamos a busca-la incansavelmente.
Dias de sol, de chuva, de alegrias e tristeza nos fazem com que a desejemos mais e mais.
Este ideal movimentou multidões ao longo dos anos, dos séculos.
Gerou guerras impiedosas, amores descomedidos, paz desconfiada, famílias abastadas e reinados gananciosos. Tudo por um único ideal.
Este ideal fez com que os desesperançosos acreditassem na vida após a morte, fez com que os cansados acreditassem na morte após a vida e os românticos acreditassem na vida eterna.
Ela coloriu jardins, corou as faces da bela donzela, fez o guerreiro sonhar com o seu retorno para casa e instigou o mendigo a continuar procurando por todas as ruas alguém que o levasse para casa.
Todo homem busca ser feliz e isto faz com que escolha os mais variados caminhos para encontrá-la.
A felicidade varia para cada um, entretanto todos a desejam.
É aúnica força que ainda preserva a vida em cada espírito.

Fórmulas....

Quando sentires, sinta por completo. Sobre o que se passa, deixe que passe.
Você perceberá que as coisas que sente desaparecerão no momento tal em que esgota-las de atenção.
Evidencie-o e encare-o!
Não há como abafar o calor da hora, tampouco deixar de lado o que grita em sua frente...

Lar, Doce Lar

Finalmente encontrei o meu lugar.
Algo parecido com o que sempre desejei. Lugar este onde me realizo.
Aqui vivo sem fim, sem depois ou amanhã. Se sento para ver o céu azul ou a tempestade, aprecio sem moderação.
O depois é um momento que jamais chegou. O amanhã, um dia que jamais existirá, pois estou no hoje permanentemente e não me permito sonhar com coisas que nunca existirão.
Neste meu lugar, tudo que quero, faço ser possível, pois tudo depende só de mim.
Os dias que passo aqui não daria a ninguém. Faço por merece-los e ninguém faria melhor para recebe-los.
Vivo em segurança no meu lugar. Meu paraíso é feito de altos e baixo e sei perfeitamente como enfrenta-los. Por isto não padeço, por isto não estremeço.
Não digo que não entristeço, pois o sentimento é inevitável e faz-me rir depois da tormenta.
Aqui vivo meu sonho para um hoje próximo. Realizo meus desejos e dou a mim tudo aquilo que preciso.
O grande trunfo disto tudo é algo bem simples: contentar-me com o que tenho e correr atrás do que preciso. E não é muito, somente o suficiente.
Raramente me arrependo. Das vezes que isto acontece, somente é por não ter feito.
Busco no meu espírito tudo aquilo que me conforta e passo adiante o que me sobra: confiança e fé na vida.
Orgulho... só tenho para sorrir dos meus feitos. Quando olho para trás e percebo o quanto lutei pela vida é aí que esboço um largo sorriso e não me decepciono por vezes ter fraquejado.
"Canto por que o momento existe" e isto me faz feliz.
Ser feliz é sentir-se inteiro e satisfeito!
No meu dicionário, meu lugar corresponde à satisfação e a minha satisfação está no meu paraíso particular.

Considerações sobre o adeus

Nunca alguém disse-o sinceramente. Nunca alguém desejou partir ou deixar que o outro fosse. Deixar ir ou ir é o mesmo que perder parte de si, por que cada um é o que é por conta da relação com o outro.
Dizer adeus requer uma força tão igual à necessária para viver. Por isto, ao dizer adeus parecemos estar morrendo ou já estarmos mortos, pois gastamos força e energia bastante, o suficiente para que padeçamos.
Adeus representa o fim. O fim de qualquer coisa, mas principalmente de relações.
Não dizemos adeus vulgarmente. Dizemos para algo ou alguém com quem mantemos relação. Uma pessoa que ficou no passado, uma roupa que se rasgou, um chinelo que não calça mais ou um disco que não mais canta, todos mantinham uma relação conosco.
Se é o outro que nos define, um adeus causaria um caos em nossas percepções. Um adeus faria com que nos tornássemos fragmentos.
Fragmentos estes que espalhados nada significam. Uma ou outra parte isoladamente não corresponde ao todo.
Minha parte de tristeza não seria nada se não estivesse colada em mim. Tampouco meus sorrisos, gestos, insônia, pormenores... Nada me definiria, senão todos juntos. Cada parte poderia somar a um estranho, porém depois de um adeus, subtrairiam de mim.
Um adeus dito está dito!
Não há como fazê-lo voltar boca adentro. A relação está dissolvida. O espelho quebrado; por que é isto que é: um espelho; onde nos vemos, nos percebemos no reflexo dos olhos do outro.
Um adeus é fatal e é por este motivo que nunca alguém desejou reproduzi-lo sinceramente: ninguém quer ter na consciência a culpa pela destruição. Isto é responsabilidade do tempo. Somente o tempo pode destruir uma relação, seja ela da espécie que for, sem que culpe-se por isto. Afinal, é esta a sua função: corroer.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Infortúnios

As coisas morrem e temos que aceitar isto.
E não morrem por tristeza, fome ou doença. Morrem por que é a ordem natural da vida. Morrem por que já maduraram. Morrem porque matam-nas, às vezes.
E temos que aprender que elas não voltarão. Não pelo menos como eram.
E aprendendo que elas não voltam mais, aprendemos a viver sem elas.
E nos acostumamos. Feliz ou infelizmente.
Não é algo agradável de se dizer ou pensar. A morte, em algumas vezes, é pouco convincente e conveniente com a hora.
São as pessoas que se vão. São nossas coisas, nossos costumes... nossos “eus” que morrem.
E para cada morte que presenciamos nos damos o desplante de substituí-los por outras roupas, outros amigos, outros filhos, outros amores, outras vidas... outros “eus”.
E nada será novamente como sempre.
O “Para Sempre” só dura até que acabe, mas nos faz ser bobos e otimistas a ponto de crer que realmente será pra sempre verdade.
E quando eu lembro de tudo que já acreditei ser pra sempre, eu paro de pensar e lembro o quão sonhador já fui e que hoje, nada melhor que uma boa dose de realidade.
Quando eu sinto a morte próxima eu sorrio, pois sei que algo nasce toda vez que se morre.
Morrendo dá-se a liberdade de ser o que se pensar querer.
Morrendo dá-se a vontade de realmente morrer.
É morrendo que se vive.
Pois quando se têm os dias contados se aproveita cada segundo que se aproxima do fim.
Pois quando não se têm escolhas, a única que se tem a fazer é morrer para viver novamente.
Quando se vive estamos passivos de morte.
E felicite-se: é a melhor parte!
Ninguém sabe viver o hoje, pois têm medo de morrer à noite. Têm medo de morrer amanha. Têm medo de nunca morrer.
E assusta morrer e não nascer. Amedronta. Aterroriza existir e não ser e não viver.
Por isto tem-se o medo de morrer e deixar de existir o que não se vive.
O medo de morrer um dia é o mesmo medo de não nascer todos os dias. É o mesmo medo de que se nunca nasça.
O pior é quando algo morre e nada nasce no lugar.
Como uma árvore que morre sem deixar frutos nem sementes para continuar vivendo.
Para que ninguém a contemple amanhã.
O medo de morrer sozinho é por não ter ninguém para que vejam-nos morrer.
E não falo de morrer de sangrar...
Falo de morrer de deixar de existir.
Ninguém percebe, mas a todo segundo morremos e a cada segundo nascemos. Nesta ordem: morrer para nascer.
Morremos em pensamento, morremos de amor, de trabalhar, de cansaço. Sempre morremos e não nos damos conta.
E não dando conta disso, deixamos de nascer para aquilo que morremos.
Logo, deixamos de existir o que vivemos ser.
E não sendo, estamos mortos.
Esta é a pior morte.
A pior morte.

Os Dez Porquês que Morri

Se deixei esta carta é porque morri! Sim, morri! Seja da forma que for, morri.
Foi de solidão, e nada mais era válido para saciar minha extrema e exacerbada necessidade de acalento. Foi de tristeza que, primeiro, meu coração parou. Pela falta de calor compreendido, de carinho exagerado, por confusão e egoísmo do meu ser solitário.
Foi de não brilhar mais que, segundo, meus olhos opacos deixaram de abrir. Foi por não ver mais ninguém amigável sorrir e dizer “eu também gosto de você”. Foi porque a vida se tornou corrida que a luz das coisas passou despercebida.
Foi de tanto falar e não ser ouvido que, terceiro, minhas palavras e minha boca emperraram na mansidão do tempo que se escorre sem fazer ruídos. Foi por não fazer sentido que o desuso se tornou moda no hábito das minhas promessas.
Foi de não ser suficiente que, quarto, meus sentimentos se esfarelaram no turbilhão de desejos que a vida encomenda. Foi de não suprir a carência da carência que um dia alguém sentiu. Foi por impotência da minha orgulhosa capacidade, falsa, porém crédula, que fui fraco ao ponto de desistir.
Foi de tanto imaginar e não agir que, quinto, meus pensamentos exauriram toda a energia que, mesmo rara, me sobrava nas mãos. Foi de desespero que meus bloqueios impuseram a corte que sentenciou as queixas impróprias que não fariam mais efeito.
Foi por não ouvir o que precisava que, sexto, meus ouvidos me abandonaram. Foi por ouvir de menos o que se gritava obviamente que o cansaço de não fazer sentido na minha simplória ignorância que as palavras foram se extinguindo e eu, tolo, achei que não era culpa minha.
Foi por não saber aonde ir que, sétimo, meus pés se desvirtuaram de todo desejo intrínseco de ir em frente. Foi por falta de orientação que minha cegueira não me deixou ver o caminho a se seguir. Foi por ingenuidade que não segui os passos que ao meu lado imprimiam pegadas.
Foi por falta de motivação e incentivo que, oitavo, minhas pernas e braços se esgotaram e nada mais edificaram na maior displicência que minha expressão se esforçava em não mostrar.
Foi por imenso descuido da vida para comigo que, novo, meus lábios pálidos e dilacerados deixaram de sorrir. Foi por não ter espelhos que desaprendi o valor que a imagem tem a quem observa.
Foi por demasiada ganância que, décimo, meu espírito abandonou meu corpo descuidado e maltratado pelos obstáculos do caminho onde não fui forte o suficiente para agüentar o fracasso. Foi por absoluta dissonância dos meus desejos que me tornei uma criatura. Foi exatamente no limiar da imprecisão e da ausência de erros eu meus sapatos se desamarraram e resolveram me abandonar totalmente despido de rumos e orientações.
Foi quando me percebi como um erro de impressão que toda minha maquiagem borrou. Foi pelas lágrimas ácidas e incandescentes que meu rosto sem expressão congelou-se na expressão mais profunda da infinita solidão que meu corpo padeceu ligeiramente.
Foi pela lentidão dos meus atos que a vida passou velozmente ao meu lado. Não por entre meus dedos, porque a ida jamais esteve em minhas mãos. Pudera eu controlar minha existência... Teria morrido muito antes de a solidão trazer sua companhia: o sofrimento.
Foi por ter morrido que deixei de existir tristemente na indiferença alheia. Foi por ninguém me reparar que me escondi sob uma carcaça prepotente e supostamente forte, mas a máscara caiu quando minhas lágrimas borraram minha maquiagem.

Um Embrulho

Se eu pudesse dar a ela algo de meu, eu daria meu dia mais belo.
- Mas como eu daria a alguém um determinado dia?
Eu decoraria e escreveria sobre este dia e então, daria a ela!
Seria simples, mas mostraria a minha dedicação a ela. Não seria um presente caro, aliás, seria tão barato quanto um oi ou um olá dado a qualquer pessoa.
Começaria com um céu azul ensolarado, que remeteria minhas lembranças às suas feições brandas e encaloradas. O sol eu poderia comparar ao cintilar colorido de um par de olhos fuzilantes.
Se neste dia eu acordei de bom humor, é fato que se assemelharia ao sorriso tão cativante, quanto sedutor de uma tira de dentes alvos, minuciosamente postos tão bem alinhados. Os lábios cheios de carne e saliva seriam comparados ao meu café da manhã. Sim, meu café da manhã, pois devoro tão igual quanto devoro, com a fome que me aproximo, os lábios que me convidam a banquetear.
Eu daria como um poema, que faço dedicado e entretido, pensando no melhor das palavras e nas melhores palavras, para descrever aquilo tudo que minha mente brincalhona balbucia como o sorriso de uma criança ao ver a água e o brinquedo.
Se neste dia houvesse nuvens, como já disse que não estavam por lá, mas se por acaso houvesse, seriam a névoa de paixão que paira constantemente ao redor do meu peito. Porém se não há nuvens, isto não quer dizer que não há névoa de paixão. Há, numa forma invisível, tal como o vento, aliás, gostaria de chamar de brisa, mas é tão avassaladora quanto a tempestade.
Neste dia, os pássaros que cantam em galhos de árvores, eu os chamaria de declaradores, assim como eu, que não canto, mas declaro meu mais nobre sentimento. A cada nota musical, em um canto alto e revigorante, seria cada palavra que minha boca proferirá, aliás, perdão, já proferiu. Mas assim como os pássaros que não param de cantar, digo que agirei com tamanha rotina encantada.
O anoitecer descrevo como meu êxtase. Para cada estrela que pinta-se num céu negro, uma fagulha queima e estala num fio prateado que liga nossas almas. Nossa conexão é impossível que não se pareça com uma lua cheia. Sim, cheia, por que é tão bela quanto parece e tão grande que ilumina tudo. Ilumina os passos, pensamentos, amores e paixões.
Foi um dia simples, sem grandes acontecimentos, mas foi belo, foi calmo e apaixonante. Tudo tão igual a ela e tudo que vem dela.
Ao deitar-me em minha cama, macia e quente, nu, como me deito no seio dela, lembro de todo o dia que finda na mais linda e exuberante arte.
Ao acalentar-me no travesseiro, bramo o nome dela que rima com a minha pele, que encosta e dá arrepios.
Lá se foi um dia completo e mais uma vez a lembrança que faço dela tomou-me por inteiro, como o dia que ditei sem negar ou omitir. Senti cada lembrança e a lembrança tatuou-se no meu calendário.
Senti, vivi, escrevi. Este seria um dia perfeito a dar a ela.

Um Instante...

Um instante. Um instante é o que basta.
Durante a passagem do navio, durante seu nado, é o instante.
Um filme, uma imagem, uma lágrima, uma atitude. Todos no mesmo instante.
Um instante pode ser um momento, pode ser o devaneio da mente de alguém ou do autor, que continua sendo alguém.
Um insulto, um perdão, um olhar, um abraço. Tudo somente num único instante.
A rota muda somente no instante da atitude.
Ah, a atitude...
O instante é o pensamento, e tudo está no plano do pensamento.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Às Avessas

Esta é minha vida. Não é exatamente o que eu planejei para mim, mas são resquícios dos meus sonhos.
Sonhei um dia ser adulto, mas não me lembrei que a dor, o sofrimento, as privações e o medo estariam presentes num adulto.
Também sonhei em amar e ser amado, mas ninguém me contou que isto envolveria responsabilidade, desencontros e, em alguns casos, guerras e mortes.
Planejei um futuro, mas imaginei que não me decepcionaria, não teria tanta luta e, pra falar a verdade, não achei que sairia tão arranhado e machucado por conta das fronteiras que tive que ultrapassar.
Imaginei a vida um mar de rosas, porém me equivoquei ao pensar nisto como uma coisa boa, afinal, rosas têm espinhos, e foram neles que me engalfinhei e sangrei.
Pensei na dor como algo passageiro e conclui exatamente o contrário: somos nós passageiros para a dor. Dói somente o tempo necessário para que cheguemos no seu limite e ela fique para trás.
Vi as lágrimas como sinal de emoção e alegria, entretanto elas são mais de tristeza e aborrecimentos.
Na sua totalidade, meus sonhos não estão trocados, apenas estão o juízo que fiz de cada um.

Último Suspiro, Último!

Se me restasse um último suspiro, de pronto, estaria triste por sê-lo uma última vez. Mesmo que transcendental, o descontentamento permanente é a mola que nos incentiva ou nos empurra a ir em frente. E se, mesmo conformado com a inconformidade dos eventos, eu ainda tivesse direito a um último suspiro, faria com que fosse ouvido até a mais profunda masmorra que fortaleço em mim. Faria com que as portas que trancam se abrissem e liberassem o mais bestial sentimento para que fosse vitimado pela profunda e incontrolável solidão, que certamente é vizinha.
Se este último suspiro representasse, mesmo que não completa e perfeitamente, todo meu desalento, certificar-me-ia que dois deles ainda seriam diminutivos para tanto esmorecimento.
Incontestável é o desamor que se populariza em meio aos olhos opacos, que, nefastamente, tentam com tanta exaustão brilhar na neblina. Tentaria ao menos, intensificar meu suspiro dramaticamente para que, pelo menos à luz, fosse visto e ouvido.
De forma temerosa, penso que se somente meu desafeto meu suspiro grita silenciosamente em minhas cordas vocais, serei menos que minha metade destruída tenta ser desfazendo-se aos pouco. Muito mais que tudo isto, meu suspiro ainda retomará a força imaculada que se esvaiu pelas minhas lágrimas, desde o primeiro momento choroso que meu coração, franzino e pouco corajoso, assustou-se com a irregularidade dos instantes. Ademais, retomará toda a maquiagem rosada que minha expressão, agora pálida quase cinza, deixou escorrer pelas gotas das chuvas de outono, quando geralmente, eu sozinho caminhava ruminando pensamentos e emoções que amargavam minha boca.
E também, este último suspiro terá a função de adocicar meus lábios. Ora, diz-se tanto que devemos sentir o sabor doce que a morte tem. Por que continuar amargo então?
Este suspiro, este último suspiro, terá lugar guardado junto às fotos, lembranças, palavras e pedras atiradas, todos no decorrer de suspiros antecedentes. Será mais um ou será o último? Devo então ouvi-lo e ser dele um aliado, submisso, um estranho, ao mesmo tempo em que devo ser, eu, o porta-voz deste suspiro.
Este último suspiro virá como a folga na cinta que aperta a vaidade na altura do pescoço, hermeticamente chamada de “corda. Este que enforca, este que mata. Este que desencadeia um último e finalizante suspiro. E de fato é o último dos funestos suspiros.

Não há vagas.

Sinto-me como se num quarto de hotel, onde minhas coisas esperam-me por decidir.
Neste quarto, onde o cheiro habitual do cigarro agarra-se nas paredes para mostrar-me que não é meu, fica só por recusar-se perder o próximo a se deitar nesta cama.
Este banheiro, estas paredes, cama e armário, tudo, ou nada, de certa forma não me será companhia. Alguns por não ter escolha, outros, porém, por simplesmente não.
Parece passageiro e com a sensação vem o desconforto ao pensar no porque de conformar-se.
Parece lisonjeiro e com o orgulho do elogio e a autenticidade de um perdedor, as costas são a última vista do quarto.
Cindido, atravessado, como uma estaca cravada nas laterais da minha imaginação, reproduzo a memória de um teto onipresente que, apesar dos olhos vendados, presenciou a companheira dos momentos de vazio do quarto despir-se e nua, acomodar-se entre as roupas da minha mala.
O eco do meu diálogo com o espelho se espalha entre as rachaduras até atravessar o meu finito espaço criativo.
Das minhas convenções, em cada quadrado do meu chão estão, como num hall da fama, marcados num sem-fim de poeira, a evidência da minha passagem solitária.
Minhas ranhuras, meus engalfinhamentos, meus lençóis, puras e claras notas do desenlace das malas e do profundo e calmo, como o nascer das raízes de uma frondosa árvore destinada a um ou dois centenários, retrocesso do tirar e voltar a pôr, muito lentamente.
Minha sombra, que num piscar de olhos desaparece e aparece deixa seu calor, para que junto à fumaça, se esvoace no vão do vitrô, como um voal que se mostra antipática à presença do tempo.
A cortina do último viajante, ainda mau posta e encardida, encobre toda a luz que fortuitamente atravessa os cubículos do algodão que forçosamente e inútil, tenta formar-se num todo para esconder a janela numa parece branca da cor do desespero e da loucura.
Remetendo-me à toda malfadada servidão, a garrafa, grunhindo como uma morte lenta, colando meus pés num piso gorduroso, acaba por esfriar meu café, justamente por eu não tomá-lo.

Meu Encontro

Quando você me encontrar, estarei sozinho: fique alerta! É o sinal que lhe dou para se aproximar do meu coração.
Neste dia, estarei tão solitário quanto a última folha que resiste à chegada do outono, na copa da mais alta árvore, e desta forma, estarei disponível para um oi, um olá e até quem sabe para aceitar um convite seu.
Quando você se aproximar, terei nas mãos todos os tipos de ataques e defesas, pois meu coração está machucado e não suportaria que tornasse a maltratá-lo. Defender-me-ia dos teus galanteios e te atacaria caso chegasse muito, muito perto, tudo para evitar o arrebatamento.
Mas eu poderia ceder, não sem luta, pois não sou de ferro e meu espírito precisa de calor que venha de outro alguém, senão o meu ou de meus cobertores. Quem sabe eu me encante e dê-me por vencido.
No dia em que me encontrar, por favor, me reconheça. Estarei trajando minha melhor aparência e terei uma estampa no rosto, não muito grande, nem tampouco colorida: será até um pouco apática, porém se parecerá muito com um sorriso. Não será por vê-la chegar, pois estarei um pouco cego e atormentado pelo estado de embriaguês. Terei me embebido de tanta deprimência que talvez tua melhor graça não me faça rir, mas não desista. Não sou de todo tristeza.
Estarei chutando uma ou outra pedrinha, pois companhia melhor eu não terei neste momento. Evitarei quem possa afastar a tua chegada.
No céu, se passar uma estrela cadente será pura coincidência, mas faça um pedido e que este pedido se realize, pois sei que pedirá que eu te acolha com toda animação e prazer que pode surgir em uma pessoa.
Caso eu esteja do outro lado da rua, atravesse você. Atravesse e ande ao meu lado ou um pouco atrás de mim, somente para sentir meu perfume. Exalarei cheiro de carência e de quem quer colo. Meu cheiro ainda parecerá de girassol, que cresce sozinho e olha para o sol na esperança que seja visto.
Não passe à minha frente, pois verá minha maquiagem e talvez seja num momento em que ela esteja borrada por conta de tanto esmorecimento. Você verá meu eu absoluto e não se decepcione: serei eu na maioria do tempo enquanto você tenta me encontrar.
Estarei pelas esquinas. Desta forma, será mais fácil me encontrar. Afinal, a vista de todas as ruas dará para aquela esquina onde remonto minhas esperanças de ser encontrado.
Se eu quiser pegar na sua mão, atenda-me prontamente. Estarei dando-te o primeiro passo que você deveria dar. É fato que estarei sozinho e assim, um pouco de acalento ao meu coração e corpo já quase desfalecido, será de grande importância.
Quando me encontrar, sorria-me: será teu primeiro sinal para me desarmar e abaixar a guarda. Sei que nesta hora, terei tudo que preciso: de um encontro.